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CARTA III

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Esta carta não tem palavras.  É feita do sono solto e dos sonhos presos.  Foi escrita com as migalhas da primeira ceia,  dos segredos que sobejaram, e dos olhares afiados.  Esta carta não tem fim.  Não vale mais que o testemunho de um corpo murcho.  Dormidor do relento, e mesmo quando coberto de tecto  se fez ir ao fundo do colchão, manchado.  Do sangue da fria relutância ao vício.  Não passa de um lamento às fontes estiadas,  que já nasceu vão e nunca chegou.  É um choro de versos enxutos e refrães esfaimados  e eu já nem sou de carne.  Não é nada afinal.  É uma carta mais vaza que a maré,  em tom de canção de despedida, e nem nas cores do búzio me faço ouvir.  Estou já nos grãos que se fizeram pó.  Estou já nas cores do céu que se pôs.  Estou também nas varandas sem sardinheiras  e estou por detrás das estrelas.  Só que não me vejo.  Só de fora para dentro.  E não me entro.  De cada vez que me saio, menos me adentro.  Sou-me mais estranha do que entranha.  Menos me fico.  Os o

CARTA I

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  Queria poder dizer que já me cresci.  Que já sou velha e que já sei de tudo,  Até já nem saber de nada.  Foi-se tudo num triz, que já me despedi. Os pés estavam amarrados às mãos. Num sopro frio. Ainda tenho o frio. No corpo. Na voz. De dentro para fora.  Naquilo que me sai da boca e que fica a meio. Do sonho. P'lo caminho ficou-se a vontade de me ficar. A porta ficou aberta de par sem par. A minha tristeza a descoberto, enrubescida. A corrente no ar degolou o suspiro, por último. Não me tomei a sério.  Engoliram-me os sonhos e fiquei-lhes sem rasto. Perdi-me em passos presos ao meu arrasto e dexei-me ao relento da  indiferença. O meu corpo já era só carne por baixo do chão, e só vos ouvia o andar, ao de leve, aqui e aqui. Não sobrava nada por debaixo do orvalho. A queda foi tão funda que me virei do avesso. Parti-vos as memórias e deitei-me sobre os estilhaços. Cobri-me de sangue de ninguém. Não tinha cor. Nem calor. Nem sabor. Nem eu. Queria poder dizer que já me fui.  Que já s

CARTA VI

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Adeus. Adeus. Penso que não me volto mais a mim. Nem a ti. Nem a nada. Já morri. Só não me consigo livrar deste corpo. Imundo, inútil, partido, pútrido. Sou pequenina. Muito, muito pequenina. Como pó, como o pó que sacodes dos livros. Sou uma pedra num sapato vazio. E o que resta de mim é o que até agora fui, mas que nem sei dizer o  quê. Adeus. Se me encontrarem pousada na rua, deixem-me lá. Ou enterrem-me. Ou como quiserem. Porque eu não quero nada além. De morrer. Não me chorem, nem se pintem de preto, nem tragam flores. Essas não servem aos mortos, Só aos vivos. Adeus. pH: Tatiana Delgado

MULHERES

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Há noites em que o meu corpo dorme fora de mim, ao abrigo das mulheres que não fui. 

BEIJA-FLOR

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    Há manhãs em que somos. Beija-flor. Os nossos braços fazem-se folhas, e as nossas lágrimas. Pétalas.

OS DO CHÃO

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  Despem-se as árvores  para cobrir a terra. Ficam de tronco nu, e hastes  em riste. Quem  dera todos os filhos fossem, os  do  chão.

PARTO

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Sinto-me o vínculo, Entre divindades celestes, E sua Terra esquecida. Sou o ser desadormecido, E que pacientemente aguarda Suas coléricas vontades. De mim usufruem, Deste meio coxo e frouxo, Submisso aos seus caprichos. Nutrem-se de minhas energias, Que me escoam pelos dedos, E que pintam esta poesia. Com tintas de cor do mundo.