OCA

No abismo da perfeição intangível,
Da obsessão pela singularidade,
Da personalização estandardizada do eu,
Vivemos nós, egoístas e humanos.

Roçam o nosso olhar, os males do mundo.
Presos à sua própria realidade,
Não transpõem a cúpula vítrea que nos protege. 
Vivemos nós, impávidos e serenos.

No vício da constante renovação,
Na angústia do conhecido,
Na ânsia irrespirável da novidade,
Vivemos nós, sem passado e sem significado.

No nosso espaço e no nosso tempo,
Com os nossos objectos e os nossos preconceitos,
No nosso núcleo de distrações,
Vivemos nós, sozinhos e indiferentes.

Numa realidade céptica, criamos as nossas relações,
Agoniamos o juízo de pessoas anónimas,
Ignoramos a respiração quente de quem suplica.
Vivemos nós, numa ilusão de companhia.

Possuídos pela frenética ocupação,
Desviamo-nos do nosso sentido,
Andamos em círculos de colisões.
Vivemos nós, e não vivemos.

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